O primeiro episódio de “Folha Corrida” foi exibido na Plataforma ICL (Instituto Conhecimento Liberta) neste último domingo de abril (dia 27)
A obra cinematográfica do diretor Chaim Litewski será exibida no ICL em quatro episódios semanais, que desvendam a relação de cumplicidade do maior jornal do país – a Folha de São Paulo – com a repressão política da ditadura militar, que durou 21 anos no Brasil. Após a exibição do primeiro episódio, uma mesa-redonda debateu o tema e contou com as presenças da professora Flora Daemon, do curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da professora Ana Paula Goulart Ribeiro, da UFRJ, do diretor da série documental Chaim Litewski, e dos jornalistas do ICL Leandro Demori e Eduardo Moreira.
A série mostra entrevistas e depoimentos de inúmeras vítimas da ditadura militar instalada no país após o golpe de 1964, como jornalistas – que à época trabalhavam na redação do jornal – intelectuais, religiosos, estudantes, professores e diversos militantes de organizações de esquerda perseguidos pelo regime autoritário dos generais, além de ter ouvido também a versão dos agentes dos órgãos da repressão política, muitos deles contratados pela Folha de São Paulo para monitorar e vigiar profissionais de imprensa em sua redação. O primeiro episódio da série “Folha Corrida” mostrou documentos e relatos inéditos, que comprovam e atestam o envolvimento, apoio e participação do Grupo Folha com a repressão e a perseguição política aos opositores do regime militar golpista, durante os anos de chumbo no Brasil. Um exemplo dessa cumplicidade da FSP com a ditadura caracterizou-se pelo empréstimo de veículos de entrega do jornal para ações de assassinato, sequestro e prisão efetuadas por agentes do DOI-CODI e do DOPS contra ativistas de esquerda e demais opositores do regime de exceção daquela época.
O documentário “Folha Corrida” é resultado do projeto de pesquisa “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura: o caso Folha de S.Paulo” coordenado pelas professoras Flora Daemon e Ana Paula Goulart Ribeiro, que trabalharam durante dois anos ao lado de uma equipe composta por docentes de outras quatro instituições universitárias brasileiras, a saber: Amanda Romanelli (da PUC-SP), André Bonsanto Dias (da Universidade Estadual de Maringá), Joëlle Rouchou (da Fundação Casa de Rui Barbosa) e Lucas Pedretti (da UERJ), com a consultoria jurídica do advogado Fernando Honorato.
O estudo dos professores aprofundou as investigações sobre denúncias de atentados e inúmeras violações aos Direitos Humanos, apuradas no âmbito da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e que acabou gerando um inquérito no Ministério Público Federal, desdobrando-se também na série documental Folha Corrida, dirigida por Chaim Litewski, cineasta reconhecido nacionalmente pelo documentário Cidadão Boilesen, lançado em 2009. Posteriormente, a pesquisa dos professores deu origem ao livro “A serviço da repressão: Grupo Folha e violações de direitos na ditadura“.
A produção cinematográfica que está sendo exibida pelo ICL é composta de quatro episódios de aproximadamente 30 minutos cada, e expõe como um dos maiores e mais influentes jornais do país contratou militares e policiais para atuar internamente, numa espécie de censura que a Folha de São Paulo se auto-impôs, em colaboração com o arbítrio ditatorial do governo militar.
De acordo com a professora Ana Paula Goulart Ribeiro, “o Grupo Folha conseguiu realizar um impressionante reposicionamento de imagem sendo, atualmente, muito mais associado à democracia do que à repressão“. Segundo ela, tal fato contrasta com a sua intensa colaboração material com a ditadura que o livro e a série apresentam em detalhes surpreendentes. Ela assinalou que o projeto é importante não apenas pela ampla revisão da historiografia brasileira daquele período, mas também por passar a limpo a trajetória histórica do jornalismo brasileiro e da própria ditadura militar. E também ressaltou a tarefa da revisão da memória de nosso passado recente, como ponto fundamental para refletirmos sobre a nossa democracia e como fortalecê-la e consolidá-la. Em suma, um trabalho para mostrar o quê somos hoje como sociedade e o que queremos ser no futuro, acentuou Ana Paula Goulart.
A professora Flora Daemon afirmou ter consciência do peso dessas revelações e da responsabilidade de trazê-las ao conhecimento da sociedade, “sobretudo porque o Ministério Público Federal abriu um inquérito para investigar a empresa a partir dos documentos, testemunhos e provas coletadas por nós”.
Já o diretor da série Chaim Litewski definiu como um “privilégio e uma honra” ter podido trabalhar com esse grupo de pesquisadores que produziu um trabalho extraordinário, conduzido pelas professoras Ana Paula e Flora. Segundo ele, a produção do documentário foi sua contribuição pessoal para a historiografia brasileira, pois as pessoas – segundo ele – têm a percepção de que a Folha de São Paulo foi cúmplice da repressão política, mas não sabem a maneira como esse crime ocorreu.
O roteiro de “Folha Corrida” tem assinatura de Marta Nehring, trilha sonora de autoria de Luiz Macedo e é uma produção da Terra Firme. A obra vai contar detalhes sobre um dos períodos mais tenebrosos da história recente da imprensa brasileira, reabrindo o debate sobre a responsabilidade das grandes empresas na violação de direitos humanos durante a ditadura militar.
Procurada pela produção, a direção atual do Grupo Folha da Manhã (proprietária do jornal Folha de São Paulo) não quis se pronunciar, alegando que sua versão sobre tais fatos já havia sido apresentada em publicações institucionais.
Por Ricardo Portugal – Assessoria de Comunicação do IM/UFRRJ
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